A imobilidade Humana
Dias mais Dias menos
Texto e atuação de Ricardo Chreem,
Direçao de Bianca Ramoneda
" O fato é que eu queria dizer algo ao mundo.Falar as pessoas num megafone, num discurso que nao fosse uma egotrip. Afinal nao queria falar de mim mesmo- ou pelo menos, nao só de mim mesmo. A taquicardia que eu vivi sendo o autor e o ator dos meus escritos foi uma experiência intensa. A solidão nos bastidores e a apreensão diante da corrida de obstáculos, da gincana, nesse videogame que foi a peça, me gerou muito nervosismo. É muito gratificante ver que a minha participação em quase todos os aspectos da peça gerou uma expressão genuinamente minha, ao mesmo tempo foi uma conseqüência do trabalho em equipe de uma turma antenadíssima que tentou me compreender o que, como e pra quem eu estava falando.”
“Se sentir observado nos mínimos detalhes sem que isso te desconcentre é um eterno desafio e é o que há de mais estranho no fazer teatro. E quando você se acostuma, cria-se um distanciamento entre o ator e a pessoa por trás das máscaras que é o ator, que parece que você esta se olhando de fora, como um fantasma vendo a si mesmo. É muito solitário estar em cena sozinho, é você com você mesmo, não tem quem te socorra, quem te resgate. É uma experiência profunda aonde você vai de encontro com a tua solidão mais verdadeira. Não pode ter lapso de memória, não pode vestir a roupa errada. Não pode esquecer a hora de botar a máscara, ou botar a mascara errada, nao pode pular a hora de comer o biscoito. Sou eu dentro do filme que eu mesmo projetei. Só que não tem projeção, é tudo ao vivo, eu não sou feito de celulóide!”
Durante semanas o Humaitá esteve sob a atmosfera do teatro contemporâneo. "Dias mais Dias Menos", texto e atuação de Ricardo Chreem e primeira direção teatral de Bianca Ramoneda, utilizou elementos da performance para encenar uma peça sobre o homem contemporâneo e sua relação com o tempo. A trilha sonora de Pedro Luís, o cenário de Sérgio Marimba, a iluminação foi de Renato Machado e os figurinos de Cláudia Diniz. A estréia foi em um espaço coerente com a trajetória da dupla, o Espaço Cultural Sérgio Porto.
Ricardo, que também é psicólogo por formação, quer que "Dias Mais Dias Menos" seja vista como um divertido questionamento sobre o cotidiano. "É uma sátira existencialista com um pé no surrealismo". A peça é um convite a uma experiência cênica que transita nos limites do teatro e da performance e fala de um tema recorrente: o homem e sua reação ao tempo. "a arte tem feito este tipo de crítica de diversas maneiras geniais e não podemos ser ingênuos em querer reeditar "Tempos Modernos",diz Ramoneda. "Agora a exigência é outra: temos que ser rapidos, múltiplos e eternamente conectados, apesar do cotidiano
fragmentado", completa o autor.
"Dias Mais Dias Menos" mostra um homem que estabelece uma relação caótica
com a rotina e as diversas máscaras que cria para se multiplicar, enquanto,
na verdade, se sente cada vez mais dividido. O tratamento dado a tantas
questões existencialistas é recheado de um humor tragicômico e, em alguns
momentos, lúdico. "De uma coisa eu tinha certeza: eu queria abordar o tema
pelo humor patético. É com me sinto na vida, muitas vezes não sei se é para
rir ou para chorar. Eu acho que rir acaba sendo uma atitude", diz a
diretora.
O cenário de Sérgio Marimba é uma estrutura de aspecto urbano em ferro que
lembra uma trajetória de game com portas, escadas e níveis de palco
diferentes. O cenógrafo está pessoalmente soldando as estruturas de ferro
adaptando-as conforme os ensaios vão acontecendo no seu ateliê. O tom cômico
de "Dias Mais, Dias Menos" também é dado através de objetos cênicos e
adereços foram garimpados no Saara, o shopping a céu aberto mais barato e
inusitado do Rio de Janeiro. Parafernálias como carrinhos de controle remoto
que invadem o palco, mini-lanternas que piscam, sanfonas de plástico,
bexigas, uma máscara de porco, entre outros. "A idéia é colocar em cena o
estranhamento e brincar com o encadeamento da compreensão do espectador",
fala Bianca.
A diretora encontrou em Ricardo uma parceria artística quase por acaso, em
uma oficina de teatro há pouco mais de um ano. Desde então, eles são uma
dupla constante em oficinas de clown, mímica e acrobacias. Eles têm se
encontrado regularmente para estudar e anotar esboços de projetos em um
caderno apelidado carinhosamente de "o livro de idéias". Em fevereiro,
Ricardo propôs para Bianca um projeto que há muito tentava realizar: um solo
utilizando textos de seu livro "2000 Menos Nada", publicado em 1999 e que já
havia sido experimentado em pequenas performances. Bianca aceitou o desafio
de dirigir pela primeira vez o amigo e há cerca de dois meses trabalham mais
de 4 horas por dia preparando "Dias Mais Dias Menos". "Eu e Bianca
transitamos em universos muito parecidos, nosso encontro não foi por acaso.
A afinidade vem muito também por sermos atores-criadores", conclui Ricardo.
Agora, que se abram as cortinas.
Ator, mímico e artista plástico, Ricardo tem uma trajetória curiosa: desde performances antológicas no banheiro da nostálgica Doctor Smith onde compunha a própria trilha sonora até uma exposição individual no Pavilhão da Bienal de São Paulo, no Museu de Arte Contemporânea. Como artista plástico, realizou várias exposições individuais e participou de várias coletivas com seus bonecos de espuma. "Eu me recuso ao papel de Abajour" a última performance que Ricardo apresentou foi no CEP 20 Mil.